Uma epopeia marajoara

Ilustração ANF

Os encontros entre nações estrangeiras, portuguesas e populações indígenas locais foram muitos. Do lado marajoara, diferentes etnias e cosmovisões de mundo apresentaram-se. Interesses diversos fizeram estrangeiros movimentarem-se, com a ajuda de saberes locais, por aquelas desconhecidas terras de “homens anfíbios”. Mas as nações indígenas, guardiãs daquele imenso vale, já com experiências de outros contatos, situadas em margens de rios e igarapés sentiram os novos rumores, aguardaram a afirmação dos presságios e colocaram-se de sentinelas para não serem facilmente capturadas. A montagem de uma estratégia geopolítica era fundamental para Portugal assegurar a posse efetiva da imensa região, com seu desaguar a perder de vista por labirínticos rios e florestas. Antes da conquista, no entanto, era preciso dominar e proteger rotas e roteiros entre o Maranhão e o Grão-Pará. Nessa faixa litorânea localizavam-se os índios Tupinambás, em grande número. Era preciso, de um lado, garantir a navegação e seu controle entre São Luís e Belém, assim como, um caminho fluvial-terrestre, pelo interior; e, de outro, ocupar a faixa litorânea, submetendo ou pacificando os índios, pela força e pelos métodos persuasivos disponíveis” (Maués 1995: 39). O labirinto de ilhas, os “Marajós”, e seus habitantes cravados na foz do território a ser conquistado, não assistiram, passivamente, àquelas estranhas chegadas de gentes tão diferentes de suas visões humanas. Experientes em contatos e guerras tribais anteriormente vividas, entre si e com outras nações, Aruãns, Sacacas, Marauanás, Caiás, Araris, Anajás, Muanás, Mapuás, Pacajás, entre outras e os batizados de “Nheengaíbas”, enfrentaram as armas portuguesas por quase 20 anos. Esse processo já demonstra quão difícil foi à conquista da Amazônia e como os nativos habitantes, “da ilha que estava atravessada na boca do rio Amazonas, de maior comprimento e largueza que todo o reino de Portugal”, posicionaram-se diante da voraz ganância lusitana. Situados em diferentes pontos geográficos da grande ilha de Joanes, essas nações lutaram em defesa de seus territórios, modos de ser e viver. Imaginários e memórias sobre suas forças, resistências, habilidades em lidar com canoas, remos, arcos, flechas, táticas de esconderijos entre matas e rios, podem ser encontrados em crônicas de religiosos do século XVIII, historiadores e viajantes do XIX, além de obras que compõem a historiografia regional contemporânea. O padre Jesuíta João Daniel foi um destes cronistas que, depois de viver 16 anos no Estado do Maranhão e Grão-Pará, redigiu memórias do “Vale Amazônico”, dando conta de uma multiplicidade de experiências cotidianas de habitantes da região. Segundo Salles, tematizando terra, homem e cultura, os dois volumes de sua obra “ornadas de mitos e símbolos, lembra a lavra do rapsodo, aquele que canta ou recita histórias populares, adaptando-as a seu modo sem perder a autenticidade” (Daniel Salles 2004: 13)12.

No intuito de falar das infrutíferas expedições portuguesas em suas primeiras tentativas para conquistar o “gentio” da grande ilha, cujas entrelinhas já deixam ver o processo de fabricação de uma memória que evoca a atuação dos missionários na região, escreveu o padre cronista: «Muito deu que fazer esta nação aos portugueses, com quem teve muitos debates, contendas, e guerras. (...) Expediam-se tropas contra eles, mas os Nheengaíbas (...) zombavam das tropas, escondendo-se por um labirinto de ilhas, e de quando e quando dando furiosas investidas, já em ligeiras canoinhas, que com a mesma ligeireza com que de repente acometiam, com a mesma se retiravam, e por entre as ilhas se escondiam as balas, e já de terra encobertas com as árvores, donde despediam chuveiros de flechas e taquaras sobre os passageiros e navegantes, que além do risco da vida, se viam impedidos a navegar o Amazonas, para onde não tinham outro caminho, senão pelo perigoso furo do Tajapuru (...)” (Daniel 2004: 368-9).

Vieira Barbosa narrou que, «imaginando Muniz ser o conflito tranquilo e a vitória certa, mandou um emissário com um destacamento oferecer o perdão e a paz aos selvagens, com a condição de tornarem-se fiéis a El Rei”. Não lhes inspirando confiança, “travou-se novamente um choque sangrento, horrível e desastroso para os invasores. Os Nu-Aruacs, como onças de suas selvas e campos sem fim, encurralaram-nos num cerco de musculosos guerreiros cor de ébano, pondo-os numa situação crítica. O troar mortífero, inútil e ineficaz dos mosquetes, era respondido pelo silvo das 'taquaras' e das flechas, que zunindo iam cravar-se balançantes no peito dos soldados de Muniz”.

“A conquista do Marajó” emerge um tom grandioso, cheio de lances cinematográficos, tornando o próximo combate uma espécie de épico da história regional, com o objetivo de enaltecer os filhos da terra, desqualificar os portugueses para se chegar ao “Valor do Missionário”, pois esse era o propósito das narrativas.

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Bárbara Silva

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