A Estrada de Ferro Belém-Bragança e a colonização da zona bragantina no estado do Pará
Localizada no nordeste do Estado do Pará, a área de influência da Estrada de Ferro de Bragança correspondia a um território de pouco mais de 30 mil quilômetros quadrados, limitado ao norte pelo oceano Atlântico, ao sul pelo rio Guamá, ao leste pelo rio Gurupi – que divide os estados do Pará e do Maranhão – e ao oeste com a baía do Marajó. Nas desembocaduras e no curso dos rios aí existentes e ao longo do litoral atlântico surgiram suas zonas pioneiras de ocupação.
Belém e Sousa do Caeté eram os centros administrativos das Capitanias do Grão-Pará e do Gurupy, respectivamente. Desde o rio Gurupi até a foz do rio Guamá, núcleos de catequese das ordens dos jesuítas e dos capuchinhos deram origem a alguns dos atuais municípios localizados na região: Cayté, Maracanã,Vigia, Curuçá, eram alguns dos 63 aldeamentos existentes no Pará até a primeira metade do século XVIII (MUNIZ, 1916). Desde a foz do rio Caeté, a saída para o Atlântico abria as possibilidades de comunicação entre Bragança e as localidades do litoral paraense, o Maranhão e outros estados do Nordeste brasileiro. Desde as cabeceiras do rio Caeté, depois por terra, chegava-se ao rio Guamá, por onde se navegava até Belém, a grande praça comercial do Norte brasileiro, o entreposto que se ligava aos altos cursos dos rios amazônicos bem como as principais rotas do comércio marítimo nacional e internacional.
A partir da segunda metade do século XVIII, as reformas promovidas na gestão de Mendonça Furtado, irmão do Marquês de Pombal, elevaram aqueles aldeamentos à categoria de vilas bem como promoveu a criação de novos núcleos populacionais. Como evidências da efetivação de tais atos administrativos podem ser enumeradas a fundação da vila de Ourém e da povoação de Tentugal, entre Ourém e Bragança, em 1753; as vilas de Cintra, Colares, São Caetano de Odivelas e Curuçá no ano de 1757; São Miguel do Guamá e Vizeu no ano de 1758 (ARAÚJO, 2003; BAENA, 1885). Neste período, por conta das disputas territoriais que colocaram a população indígena, já significativamente reduzida, sob a condição de cidadão português e também em função da criação da empresa monopolista Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão, foi iniciado o comércio de trabalhadores africanos no Pará, e no porto de Bragança esses trabalhadores eram legalmente comercializados, ou contrabandeados do Maranhão (COUTO, 2003; ARAÚJO, 2003; CASTRO, 2006). Desde então, por resistência ao trabalho compulsório, outros núcleos populacionais foram formados pelos trabalhadores africanos e seus descendentes.
Na segunda metade do século XIX a comunicação terrestre definitiva entre as localidades da Zona Bragantina, importantes centros produtivos e exportadores de mercadorias comercializadas na praça de Belém, já havia sido estabelecida (PARÁ, 1873). Na porção central do território entre o rio Guamá e o oceano Atlântico o governo paraense levou a termo as experiências de instalação de colônias agrícolas a partir de 1875, ano de fundação da colônia de Benevides. É também nesse período que a balança comercial brasileira começou a experimentar a contribuição da fugaz economia da borracha.
A trajetória ascendente dos negócios da borracha vai entrar nas décadas de 1880 e 1890 em uma esplêndida fase de ampliação de seu alcance de mercado. Com o aperfeiçoamento do processo de vulcanização e a difusão do pneumático, utilizado em automóveis e bicicletas, a procura pela matéria-prima se expandiu de modo acelerado e a borracha passou a representar a matéria-prima de fundamental importância para a dinamização das economias industriais do final do século XIX e decênios subsequentes (PRADO JR., 2008). Em expansão acelerada, acompanhada da elevação contínua dos preços, a riqueza produzida pela borracha crescia na medida em que ascendia a procura pela matéria-prima quase que exclusiva do vale amazônico. Contraditoriamente, os negócios da borracha eram limitados pela disponibilidade de mão de obra, embora a contínua expansão seja recorrentemente explicada pelo incremento demográfico nos seringais, uma vez que as técnicas de extração do látex continuavam as mesmas (FURTADO, 2007).
O problema da mão de obra nos seringais era resolvido com o recrutamento de trabalhadores que já chegavam aos seringais endividados e forçados a um regime de trabalho mediante a servidão pela dívida. De outro modo, dirigiram-se para a região levas maciças de migrantes nordestinos, em função das secas ocorridas na região semiárida do Brasil em 1877-78 e 1888-89 (MUNIZ, 1916; CRUZ, 1955; ÉGLER, 1961; PENTEADO, 1967; SANTOS, 1980; BENCHIMOL, 2009). Todavia, nos anos imediatamente seguintes às referidas secas, os negócios da borracha apresentam pequenas retrações em relação aos anos anteriores. Se os negócios da borracha atraíam a maior parte dos trabalhadores nordestinos que seguiram o rumo da Amazônia, alguma medida desses trabalhadores decidiu se estabelecer, ainda que temporariamente, nas colônias da Zona Bragantina ou em seringais aí existentes.
O abastecimento do seringal, que antes poderia ser considerado autossuficiente no tocante aos produtos básicos da alimentação (caça, pesca, pequenas criações, frutas e produtos agrícolas), passou a ser realizado a partir da importação de mercadorias (carnes, cereais, bebidas e conservas em geral). Era patente, portanto, a necessidade de criação de zonas produtoras de alimentos que ao menos aliviasse a pressão dos preços das mercadorias importadas, uma vez que a maior parte dos trabalhadores do seringal, sob fortes esquemas de repressão da força de trabalho, era coibida de práticas de subsistência e forçada a se abastecer nos barracões dos seringalistas. No caso da Zona Bragantina, os seringais existentes não contribuíam de modo significativo em relação à produção exportada. Na safra de 1896-97, por exemplo, a produção dos municípios de São Caetano de Odivelas, São Miguel do Guamá, Vigia, Irituia, Ourém, Curuçá,
Colares, Santarém Novo e Marapanim somadas correspondem a menos de 0,5% da borracha produzida no Pará e exportada pelo porto de Belém (ALBUM, 1899). No período de 1900 a 1907, a produção gomífera da Bragantina oscilou entre 1,2% e 2,2% da produção total comercializada em Belém, que ainda era o maior dos tributários da produção da zona da ferrovia (PARÁ, 1910). Sendo assim, é provável que nos seringais da região os trabalhadores empreendessem outras atividades de subsistência no limite da capacidade de trabalho das unidades produtivas, com eventuais excedentes centralizados e comercializados no porto da capital.
