No Reino da Grama
Certo dia, em minhas andanças, encontrei um velho, mistura de antropólogo, filósofo, arqueólogo e ermitão. Sua aparência era assustadora, bizarra. Chamou-me para um lado e disse: “Menino, quero te contar uma história”. Nesse momento, aconteceu algo inusitado: fomos como que transportados para um outro mundo, uma realidade paralela, uma paisagem fantástica, exuberante. E aí ele sentou na grama verdinha e macia que circundava todo o local e começou uma longa fala, entrecortada de exclamações, gestos teatrais e risadinhas marotas.
“Menino, em minhas viagens por esse mundo, conheci um reino engraçado. Cheguei à cidade e fingi ser louco, para que pudesse observar tudo direitinho. Logo percebi que o povo do reino era muito triste e pobre, muitos jovens e crianças sem ter o que fazer, perambulando pelas ruas ou fazendo coisas erradas. Curioso, vi que, apesar disso, a frente do reino era bem limpinha, tudo verde, a grama cortadinha, uma beleza. Era um cortar, aparar diário, como se tudo se resumisse em fazer o povo admirar esse mimo do Rei. Outra coisa que notei: tudo no reino era pintado da mesma cor, amarelo e vermelho. O rei mandava pintar o que via pela frente, de montanhas a prédios, de árvores a fachadas de casas. O povo ficava revoltado: como mandar raspar toda a cobertura vegetal das majestosas montanhas, dos vales e colinas, para depois fazer os funcionários do reino passar dias e dias a pintar tudo de amarelo e vermelho? O pior era que ele dizia que aquelas montanhas, vales e colinas repintadas haviam sido construídos por ele. O reino todo respirava amarelo e vermelho. O Paço do Rei, esse então, era pintado e repintado toda a semana. Os funcionários eram obrigados a vestir as mesmas cores sob pena de serem considerados traidores e sumariamente condenados a uma morte terrível.
“Mas o que deixou os súditos mais confusos, principalmente aqueles que possuíam carruagens, foi o estranho decreto em que o rei exigia que eles usassem uma espécie de brasão com duas letras e uma palavra esquisita nesses veículos”.
“Outra esquisitice do rei era quando os amigos faziam aniversário. Ela mandava colocar umas horríveis e gigantescas placas falando maravilhas das figuras, isso em todas as ruas e vielas do reino, maculando a paisagem onírica. E depois, dizem que por ter um acordo com algumas das pessoas que construíam as tais placas, mandava colocá-las até mesmo quando seus cachorros, gatos, gatas, coelhinhas e demais membros da grande e variada fauna fazia aniversário. O problema era vestir a bicharada para sair na foto. Apareceu até um porco de fraque e gravata, todo prosa, a sorrir ao lado da frase: ‘Vou ser candidato com o apoio do Rei amigão’.”
O velho ainda me disse que o rei tinha o hábito de viajar para outros reinos, sempre levando a tiracolo os amigos. Estes, assim como o monarca, viviam trocando de carruagem todo ano. Havia até umas com um aparelho estranho que fazia circular por dentro um friozinho gostoso e restaurador. E o foguetório, então, era cachorro e criança correndo assustados com o pipocar e o repipocar de rojões toda vez que o Rei inaugurava alguma obra, coisa rara no Reino, diga-se.
Lá pelas tantas, o velho se levantou e bateu amistosamente nas minhas costas: “Menino, mas o homem se deu mal. Quis pintar o rio que cortava o reino com os tais amarelo e vermelho, mas o povo se revoltou e acabou por pintar o próprio rei e toda sua família com as cores tão famosas. Eles fugiram para bem longe, envergonhados.”
No outro dia, as montanhas, os vales e as colinas voltaram a ser verdes e o povo então voltou a sorrir, decretando que, a partir dali, nada no reino poderia mais ser pintado de amarelo e vermelho.